Categoria Política

Lobo Mau ainda está solto

Desprezando as normas de distanciamento social, uma das figuras mais polêmicas da literatura infantil convocou a imprensa para um café da manhã num hotel de luxo, em São Paulo. Lobo Mau vestia um terno Armani, não usava máscara e parecia saudável, para um animal da sua idade. Um dos jornalistas foi direto ao ponto, perguntando como ele explicava o fato de ainda estar solto, já que vem sendo alvo de centenas de processos, desde o século 19.

Tentando manter a calma, Lobo Mau disse que tinha bons advogados e que, até agora, nada tinha sido provado. Em seguida, um repórter observou que existem fortes indícios de que o acusado pegava criancinhas para fazer mingau e devorava vovozinhas há muitos e muitos anos, e que seus advogados abusam de recursos protelatórios, fazendo os processos durarem, literalmente, séculos.

“Sem querer fazer piada”, disse Lobo Mau, “eu não tenho culpa! Não é culpa minha se é possível usar legítimos instrumentos de defesa para evitar o cumprimento da lei e das decisões judiciais.”

“E digo mais”, continuou a fera, “o fato do meu nome ser Lobo Mau, não quer dizer que eu seja intrinsecamente mau, no sentido literal do termo. Isso ainda terá que ser provado nos tribunais”.

Outro jornalista lembrou que a defesa do Lobo Mau tentou envolver dois irmãos alemães, Jacob e Wilhelm Grimm, como autores intelectuais dos crimes, mas os irmãos, numa delação premiada, não assumiram a autoria, admitindo apenas que teriam plagiado vários contos populares do folclore europeu.

Lobo Mau lamentou que seus inimigos façam de tudo para incriminá-lo, inclusive insinuando que ele teria ligações com três porquinhos donos de uma empreiteira que construía casas de palha, de madeira e de tijolos. “Essa história de que eu ia lá destruir as casas só para eles receberem o dinheiro do seguro é totalmente falsa.”, disse Lobo Mau, mostrando as presas afiadas.“Tudo fake news!”

Depois da entrevista, na porta do hotel, um dos advogados falou discretamente para o seu cliente: “Fique tranquilo, Lobo. Vai dar tudo certo. Você ainda vai poder devorar vovozinhas e pegar criancinhas pra fazer mingau durante muitos e muitos anos… Se lembra do Maluf ?”.

Hoje é dia de Kafka (ou é Kafta?)

Para comemorar o aniversário de Franz Kafka (3 de julho de 1883), republico aqui um texto que saiu na Folha de S. Paulo em maio de 2019…

Sei muito bem que minha coluna só tem meia dúzia de leitores, e por isso não vejo problema em compartilhar aqui um texto que achei, no mínimo, interessante. Pensando bem, acho até que é de leitura obrigatória. A princípio, não sabia quem era o autor, mas um cara que trabalha no Ministério da Educação disse que o autor é Franz Kafta, um escritor tcheco de origem árabe. Leiam e tirem suas conclusões.

                                                           Quando certa manhã Gregor Samsa, que era uma barata gigante, acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado numa espécie monstruosa de Presidente da República. Estava deitado de costas e viu que havia uma faixa presidencial sobre seu ventre marron.

“O que terá acontecido comigo?”, pensou ele. Mas seu quarto continuava igual. O revólver e o celular estavam ali, na mesinha de cabeceira. Gregor olhou para a janela e viu a chuva batendo na vidraça. Aquele clima o deixava triste. “Que tal se eu dormisse mais um pouco e esquecesse essa maluquice?”, pensou. Mas não conseguiu realizar seu intento, pois logo entraram no seu quarto vários assessores com planilhas, estatísticas, pesquisas e ameaças de processos contra sua família, que era do grupo dos artrópodes. Gregor saiu dali correndo, movimentando velozmente suas seis patas. Lá fora, deparou-se com uma manifestação de milhares de senhoras que se autodenominavam “As Tias do WhatsApp”. Elas estavam armadas com chinelos enormes, e vinham em sua direção, gritando palavras de ordem como: “Chega de pagar mico!”, “Votei nessa coisa, e agora todo mundo fica me zoando!” e “O barato saiu caro!”. Nesse momento, Gregor acordou sobressaltado e viu que aquilo era apenas um sonho. Felizmente, ele ainda era uma barata gigante normal.