Categoria História

O surto de indignação que virou exposição

ÁGUA SANITÁRIA SOBRE TECIDO

“No mês de dezembro de 2020, durante a pandemia de Covid 19, enquanto o Brasil e o mundo passavam por um processo de descaralhamento generalizado, Reinaldo Figueiredo sofreu um incontrolável surto de indignação que acabou dando origem a esta exposição online. Na verdade, de acordo com as pesquisas e estatísticas da época, o artista estava 22,3% indignado, 9,8% perplexo, 24,5% enojado e 43,4% puto da vida. Sem dúvida, os trabalhos refletem um alto nível de repugnância e ojeriza em relação à realidade político-sanitária, que se tornava a cada dia mais absurda e insuportável…Depois de meses vendo suas roupas ficarem totalmente manchadas por água sanitária, o artista achou que poderia usar esse tipo de suporte para uma série de novas obras (…)” 

Veja todos os textos e todas as peças lá no site do Espaço Corda. O link está aqui: https://espacocorda.com/loja/home/agua-sanitaria-sobre-tecido/

*O que for arrecadado com a venda das obras será doado para instituições que promovem educação musical gratuita para crianças no Rio de Janeiro.

 

 

Existencialista desde criancinha

No último fim de semana fui convidado mais uma vez a participar de uma reunião da AALCRF, Associação dos Amigos e Leitores da Coluna do Reinaldo Figueiredo. Os membros da AALCRF, que adoram siglas e acrônimos, estavam animados com a próxima Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, e queriam saber quais eram as minhas relações com a literatura.

Expliquei que, felizmente, desde a mais tenra infância, fui exposto às grandes obras da literatura mundial. Em casa, tinha à minha disposição uma vasta biblioteca e, além das obras de Monteiro Lobato, que toda criança lia, eu tinha outros livros favoritos. Um deles era “A Náusea”, de Jean Paul Sartre. Gostava tanto do livro que, no carnaval de 1955, pedi à minha mãe uma fantasia de existencialista, como se pode ver nesta foto, feita pelo meu pai. Em outros anos, já tinha saído de índio, cowboy ou pirata, mas aquele foi o meu melhor carnaval. Eu estava me sentindo o próprio Jean Paul Sartre. E para completar, meus pais me ensinaram a cantar a marchinha existencialista “Chiquita Bacana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, aquela que diz: “Chiquita bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica. Não usa vestido, não usa calção, inverno pra ela é pleno verão. Existencialista com toda a razão, só faz o que manda o seu coração”. Lembrei que fiz o maior sucesso numa reunião de amigos e parentes lá em casa. Meus pais pediram que eu cantasse a marchinha de carnaval e depois recitasse um trechinho de “A Náusea”, que eu sabia de cor. O trecho era este: “E era verdade, sempre tinha percebido isso: eu não tinha o direito de existir. Eu apareci por acaso, eu existia como uma pedra, uma planta, um micróbio…”. Aplausos gerais e comentários do tipo “Que fofo!”.

Os membros da AALCRF ficaram satisfeitos com a minha explanação e as minhas lembranças, mas tinham só mais uma pergunta. Queriam saber qual era o meu gênero literário preferido. Respondi que, atualmente, estou me interessando muito pela autoficção.

*Texto publicado na Folha de S. Paulo em 2017.

 

Quantas vidas tem um desenho?

Este texto foi publicado na Folha de S. Paulo em 2018, mas infelizmente tenho que voltar ao assunto…

Na revista Pif-Paf, lançada por Millôr Fernandes em 1964, tinha sempre uma seção chamada “Pif-Paf analisa uma piada”, onde um cartum era totalmente dissecado e interpretado, em todas as suas possibilidades, com direito a altas divagações, na busca insaciável dos verdadeiros significados da obra. E o texto sempre começava com a palavra “evidentemente”. Hoje tenho a oportunidade de fazer uma coisa parecida, mas a cobaia do experimento será um desenho que eu mesmo fiz.

Evidentemente, trata-se de um desenho de humor cujo alvo é a figura patética de um obsessivo usuário das redes sociais. E, como eu sou o autor, não preciso perder tempo com hipóteses sobre as verdadeiras motivações da obra. Posso afirmar, com certeza absoluta, que este desenho foi feito para ser a ilustração de um texto do Renato Terra, publicado na revista Piauí, edição 66, em março de 2012.

Tempos depois, em 2014, o desenho foi publicado de novo, dessa vez num livro de humor gráfico chamado “A Arte de Zoar”. E aí, mesmo sem o acompanhamento do belo texto de Renato Terra, acho que a ilustração ainda conseguiu cumprir sua função de fazer surgir um sorriso no rosto do leitor.

Agora, em março de 2018, exatamente seis anos depois da primeira aparição, estou publicando mais uma vez a mesma imagem, só que neste momento o desenho ganhou um novo sentido. Depois da monumental cagada em que se envolveu o Facebook, a leitura agora é outra.

Evidentemente, trata-se de um desenho satírico feito para retratar a maneira descuidada e destrambelhada com a qual a plataforma digital azulzinha trata seus fiéis usuários e suas valiosas informações.

Daqui a alguns anos, depois da extinção do Facebook, se o planeta também não for extinto, e se por caso ainda existir por aí alguma cópia deste desenho, talvez algum pesquisador, especialista na iconografia do humor arcaico, venha a perder seu tempo tentando decifrar o misterioso significado desse troço. E talvez escreva alguma coisa, começando assim: “Evidentemente…”