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Existencialista desde criancinha

No último fim de semana fui convidado mais uma vez a participar de uma reunião da AALCRF, Associação dos Amigos e Leitores da Coluna do Reinaldo Figueiredo. Os membros da AALCRF, que adoram siglas e acrônimos, estavam animados com a próxima Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, e queriam saber quais eram as minhas relações com a literatura.

Expliquei que, felizmente, desde a mais tenra infância, fui exposto às grandes obras da literatura mundial. Em casa, tinha à minha disposição uma vasta biblioteca e, além das obras de Monteiro Lobato, que toda criança lia, eu tinha outros livros favoritos. Um deles era “A Náusea”, de Jean Paul Sartre. Gostava tanto do livro que, no carnaval de 1955, pedi à minha mãe uma fantasia de existencialista, como se pode ver nesta foto, feita pelo meu pai. Em outros anos, já tinha saído de índio, cowboy ou pirata, mas aquele foi o meu melhor carnaval. Eu estava me sentindo o próprio Jean Paul Sartre. E para completar, meus pais me ensinaram a cantar a marchinha existencialista “Chiquita Bacana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, aquela que diz: “Chiquita bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica. Não usa vestido, não usa calção, inverno pra ela é pleno verão. Existencialista com toda a razão, só faz o que manda o seu coração”. Lembrei que fiz o maior sucesso numa reunião de amigos e parentes lá em casa. Meus pais pediram que eu cantasse a marchinha de carnaval e depois recitasse um trechinho de “A Náusea”, que eu sabia de cor. O trecho era este: “E era verdade, sempre tinha percebido isso: eu não tinha o direito de existir. Eu apareci por acaso, eu existia como uma pedra, uma planta, um micróbio…”. Aplausos gerais e comentários do tipo “Que fofo!”.

Os membros da AALCRF ficaram satisfeitos com a minha explanação e as minhas lembranças, mas tinham só mais uma pergunta. Queriam saber qual era o meu gênero literário preferido. Respondi que, atualmente, estou me interessando muito pela autoficção.

*Texto publicado na Folha de S. Paulo em 2017.

 

A fórmula do Dr. Pilsenstein

4 horas da manhã. O silêncio da madrugada é quebrado pelo som das borbulhas nas ampulhetas e balões volumétricos no laboratório do Dr. Victor Pilsenstein. O brilhante químico estava empolgadíssimo porque, depois de vários anos de pesquisas, tinha finalmente descoberto a fórmula. O Dr. Pilsenstein estava com o mesmo entusiasmo que sentiu no século passado, quando conseguiu trazer de novo à vida o carnaval de rua, morto e enterrado desde os tempos do Bafo da Onça. Ele se lembrava agora, com nostalgia, da noite em que invadiu o cemitério para exumar o cadáver, com o auxílio de seu fiel assistente, o corcunda Waldemar. A fantástica ressureição do carnaval de rua tinha sido, até agora, o seu grande triunfo. Mas a descoberta dessa nova fórmula poderia levar seu nome ao panteão do Prêmio Nobel de Química.  

Nos últimos anos, o Dr. Pilsenstein vinha se dedicando também a um serviço de consultoria técnica a vários produtores de cerveja artesanal. E foi a partir daí que ele concebeu esse novo e ambicioso projeto, que envolvia banheiros químicos e cerveja, dois elementos fundamentais no carnaval de rua.

Naquela madrugada, o Dr. Pilsenstein tinha conseguido descobrir uma fórmula economicamente viável de desxixização da urina depositada nos banheiros químicos e sua posterior cervejização. Graças à essa descoberta, o material seria instantaneamente transformado em cerveja, e poderia ser reutilizado ali mesmo. Depois da passar por um aparelho de filtragem e purificação, o líquido se transformaria num saboroso chope dourado, passaria por uma serpentina e seria servido, no capricho e estupidamente gelado, aos foliões e mijões sedentos.

Com essa combinação de banheiro químico e choperia autossustentável, o Dr. Pilsenstein tinha encontrado a solução para um grave problema do carnaval de rua. Os foliões não mais mijariam nas ruas, fazendo questão de utilizar esses inovadores banheiros químicos, para poder aproveitar o carnaval até a última gota. Agora, era só esperar pelo Nobel.