Um conto para quem está cansado de ficção distópica, sombria e apocalíptica
Waldyrsson e seu filho estavam saindo da monumental Sala de Concertos Hamilton de Holanda. No passado, aquela construção tinha sido o Estádio Nacional de Brasília, também conhecido como Estádio Mané Garrincha ou “O Elefante Branco”. Eles tinham acabado de assistir a um show multimídia de um jovem saxofonista chinês acompanhado pela OJB, Orquestra de Jazz Brasileiro, sob o comando do veterano maestro Carlos Malta, ainda em plena atividade com seus 124 anos de idade. E ali, caminhando no meio da multidão que saía calmamente da sala de concertos, o filho fez uma revelação que deixou Waldyrsson abalado.
“Eu não acredito no que você está falando!”, disse Waldyrsson, em estado de choque. “Tem certeza de que você quer ser professor do ensino fundamental?”
“Tenho certeza, pai. Já decidi.”
Waldyrsson ficou sem chão. Ele tinha criado aquele garoto para ser jogador de futebol e, se tudo desse certo, jogador da seleção brasileira. Mas no fundo ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, esse problema ia acabar acontecendo com seu filho. Todos os garotos da idade dele tinham o mesmo sonho. Eles passaram a vida toda vendo, em todas as mídias, reportagens, documentários e hologramas mostrando os professores nos seus carrões, vestindo roupas caríssimas e sempre cercados de lindas mulheres. Já na década de 2060, o salário médio de um professor do ensino fundamental era 800 milhões de Surreais Novos.
“Meu filho, eu pensei que você fosse mais idealista. Eu sempre ensinei que não se deve dar tanta importância aos valores materiais. Sei que o salário de jogador não é tão bom assim, mas você não acha que é uma coisa sublime poder defender as cores da nossa bandeira?”.
“Não adianta, pai”.
Waldyrsson teve que reconhecer que estava parado no tempo. A situação socioeconômica do país tinha mudado muito desde a Copa do Mundo de 2038, quando o Brasil perdeu de 13 a zero para a seleção da Coreia do Norte…Waldyrsson passou alguns segundos perdido nesses pensamentos, mas logo voltou a prestar atenção ao que o filho falava.
“Eu já tomei a minha decisão, pai. Pensei bem e sei que vou me realizar plenamente na educação. E, além do mais, é um trabalho muito mais bem pago. Não se preocupe. Logo, logo eu vou poder comprar um carro novo para você e para mamãe. Um para cada um. E também um apartamento para vocês, em Paris…Um para cada um!”
“Tudo bem, meu filho”, disse Waldyrsson, mais conformado, “mas não se esqueça de ajudar também o seu irmão mais velho. Aquele salário de Senador não dá pra nada, coitado…”
(texto publicado na Folha de S. Paulo em 6 de junho de 2018)