Pequena história da CEJ

Na foto de Aloizio Jordão, a Companhia Estadual de Jazz levando um som no Triboz, famosa casa de jazz na off-Lapa, Rio de Janeiro.

A Companhia Estadual de Jazz (CEJ) existe desde 1998. O grupo começou tocando uma vez por semana, durante três anos seguidos, num bar do Rio de Janeiro chamado Satchmo (o apelido do Louis Armstrong). No primeiro CD da CEJ, lançado em 2000, a formação era: Sergio Fayne no piano, Chico Pessanha na bateria, Guilherme Vianna no sax tenor e flauta, André Barion na guitarra e eu no baixo elétrico. E contamos com as participações especiais de Guilherme Dias Gomes no trompete, Jean-Pierre Zanella no sax soprano, Guta Menezes na harmônica e Leo Leobons na percussão.

No segundo CD, chamado Via Bahia, lançado em 2007, a formação era um pouco diferente: a guitarra era do Fernando Clark, e eu atacava no contrabaixo. (Incentivado por Paulinho Albuquerque, eu já tinha me aventurado a encarar o contrabaixo, também chamado “baixo de pau”, ou “maria gorda”, ou “violino de elefante”, ou também, o apelido mais curioso, “dog house”).

Este segundo CD teve participações especiais de Gabriel Grossi na harmônica, Paulinho Trompete no trompete e no trombone, Jean-Pierre Zanella no sax soprano e Don Chacal na percussão. No encarte, contamos com as imagens baianas do fotógrafo Paulo Santos.

Nesses anos todos, a CEJ seguiu tocando nos bares da vida. Mas também em centros culturais e eventos muito especiais, como o Festival Internacional de Jazz de Montréal, no Canadá, em 2000 e 2009.

Tempos depois, o grupo virou um quarteto, só com Sergio Fayne, Fernando Clark, Chico Pessanha e eu. Infelizmente, por causa de um câncer, desde março de 2020 Sergio Fayne não está mais neste planeta para tocar aquele samba-jazz que ele tanto gostava. Mas, para homenagear o Sergio e manter viva a sua lembrança, a CEJ vai seguir em frente, e já conta com o apoio do jovem pianista Natan Gomes.

Estamos aí, esperando o mundo voltar ao normal. Enquanto isso, vocês podem ouvir o som da CEJ em todas as plataformas digitais…

O que as plataformas não mostram

O problema das plataformas de streaming, sem falar na polêmica questão do rachuncho da grana com os músicos e compositores, é que você não consegue descobrir quem fez o quê numa gravação. Dá saudade dos tempos dos encartes e das contracapas…Mas, como eu sou gente boa, vou publicar aqui esta raridade que é o encarte do primeiro álbum da CEJ, com os créditos de todos que participaram da parada. E mais: o texto do quase famoso crítico de jazz Leonard Plume, no original e na versão legendada.

 

O mundo maravilhoso dos encartes

Continuando a conversa…A música em streaming pode ser mais prática e imediata, mas muita gente sente falta da parte gráfica e da informação em geral sobre a música que está no disco. O vinil está começando a voltar, com suas grandes capas e os textos de contracapa, mas a produção ainda é muito pequena…Por isso, vamos lembrar aqui a história do encarte do segundo CD da CEJ, Via Bahia, lançado em 2007.

Além de um texto falando de cada faixa do álbum, a coisa foi incrementada com as fotos de Paulo Santos, um grande fotógrafo, cinegrafista e diretor de fotografia nascido na Bahia, por acaso, em Jequié, título de uma das faixas do disco. No projeto gráfico, tivemos a participação de Ludmila Rodrigues, que na época era designer, mas hoje é uma cenógrafa e escultora estabelecida em Haia, na Holanda.

Deu vontade de ouvir o disco? Quem não tiver o CD, pode ouvir o som na plataforma digital de sua preferência, ou pode comprar o disco físico em alguma loja, virtual ou não…

Para quem quiser ler o texto do encarte, olha ele aí:

A nossa idéia não era fazer um disco de música tipicamente baiana, mas sim um disco de músicas que, por algum motivo, tenham a ver com a Bahia. E ficou assim…

De Noite na Cama

Uma do Caetano com uma seqüência harmônica que tem um jeitão meio jazzístico. Depois de ser cantada por Erasmo Carlos e Marisa Monte, está aí a nossa versão instrumental. É de noite, é na cama, mas não dá pra dormir com um barulho desses…

Mestre Bimba

Tema composto por Luiz Eça, Bebeto e Hélcio Milito (a turma do Tamba Trio), depois de uma viagem que fizeram à Bahia, onde puderam ver em ação o grande Bimba, lendário mestre de capoeira.

A Lenda do Abaeté

Uma das canções praieiras do Dorival Caymmi. Aqui com a participação especialíssima de um dos maiores músicos do Canadá, Jean-Pierre Zanella, num solo de sax soprano que leva o Caymmi  pra perto do Coltrane de Impressions, e do Miles de So What.

Coração Vagabundo

Outro clássico de Caetano Veloso. Esta versão foi baseada num arranjo do nosso amigo Dario Galante, o mais carioca dos pianistas italianos. E a participação especial de Gabriel Grossi na gaita é luxo só.

São Salvador

O Paulinho Trompete, aqui mandando ver no  flugelhorn, tocou esse tema de Durval Ferreira milhões de vezes em bailes, no conjunto do Ed Lincoln, nos anos 60. Ele diz que essa era a preferida da galera da pista de dança e, no palco, os solos rolavam sem parar. O detalhe curioso é que, por causa do arranjo do Ed Lincoln (que na introdução  lembrava um toque de berimbau) todo mundo pensa que essa música é dedicada a São Salvador, na Bahia, mas na verdade a homenagem é à praça São Salvador, no Rio de Janeiro, onde morava o Durval Ferreira. Pronto, o equívoco está desfeito, mas a música continua no repertório assim mesmo, porque é boa demais.

Jequié

Uma composição de Moacir Santos dedicada a esta cidade baiana onde ele deu uma parada, numa viagem até a sua Pajeú, em Pernambuco. E olha só como o mundo é pequeno: o fotógrafo Paulo Santos, que fez as fotos do nosso encarte, além de ser Santos, como o Moacir, nasceu lá em Jequié.

Pra Todos os Santos

Tema do guitarrista Fernando Clark composto especialmente para este CD. Uma homenagem à Baía de Todos os Santos e a outra baía que ele acha muito parecida: a Baía da Guanabara. Esta música é dedicada também a todos os santos, mas, principalmente, a Moacir Santos e Vittor Santos.

Falsa Baiana (Salsa Baiana)

Um trocadilho em busca de um arranjo. Este samba do carioca Geraldo Pereira foi muito cantado por um baiano de verdade, o João Gilberto. E já que nesse caso a baiana é falsa mesmo, a gente pode tocar até em salsa. O toque de classe é a participação de  Don Chacal na percussão afro-cubana-baiana, e do Paulinho Trompete, aqui tocando trombone de pisto (aquele trombone que não tem vara, e parece um trompete gigante).

Berimbau

Um dos mais famosos afro-sambas de Baden e Vinícius. A nossa versão começa com o tema no “berimbaixo”, que é o contrabaixo tocado com a vareta do berimbau, pra entrar no clima de capoeira.

De manhã

Essa música, do primeiro disco do Caetano Veloso, sempre teve cara de samba-jazz, e já foi gravada por Leny Andrade e Wilson Simonal. Mas a nossa versão ficou mais pro afro-cubano, com uma levada meio cha-cha-cha.

Companhia Estadual de Jazz – CEJ:

Sergio Fayne – piano

Fernando Clark – guitarra

Guilherme Vianna – sax tenor e flauta

Reinaldo – contrabaixo

Chico Pessanha – bateria

Participações especiais :

Jean-Pierre Zanella – sax soprano (3)

Paulinho Trompete –flugelhorn (5) e  trombone de pisto (8)

Gabriel Grossi – gaita (4)

Don Chacal – percussão (congas, bongô e  güiro) (8)

 

Gravado, mixado e masterizado no Estúdio do Horto, em  2007.

Gravação: Cristiano Moura e Igor Fabbri

Mixagem: Cristiano Moura

Masterização: Igor Fabbri

Fotos: Paulo Santos

Projeto gráfico: Ludmila Rodrigues

Produzido por Reinaldo Figueiredo e Fernando Clark

 

Uma setlist autossustentável

Durante alguns meses, na primeira década deste século, a Companhia Estadual de Jazz usou uma setlist autossustentável. Eu explico: para não desperdiçar papel, escrevi numa folha A4 uma boa parte do nosso repertório básico. Toda vez que o grupo tinha uma apresentação (naquela época era uma vez por semana, no bar Assis Garrafaria, em Laranjeiras) a gente escolhia algumas músicas e eu marcava no papel, com cores e sinais diferentes para indicar a setlist daquela noite. Depois de algum tempo, o papel ficou assim:

 

Um jogo de palavras muito carioca

Um dos maiores problemas da CEJ é o nome do grupo. Companhia Estadual de Jazz é um jogo de palavras compreensível só para quem mora no Rio de Janeiro, porque só aqui existe a CEG, Companhia Estadual de Gás. Essa brincadeira só funciona aqui, e o nome não tem a menor graça em outras partes do mundo. O que dificultou muito a comunicação durante nossas turnês internacionais, no Canadá ou em Búzios, por exemplo.

E, para piorar a situação, a Companhia Estadual de Gás (CEG) recentemente passou por um processo de rebranding e agora se chama Naturgy. Em breve, muita gente não vai mais lembrar da CEG, e as novas gerações não poderão desfrutar desse belo jogo de palavras… Mas a Companhia Estadual de Jazz (CEJ) é uma tradicional empresa carioca, e vai continuar fornecendo jazz de rua, jazz natural, jazz de botijão e, principalmente, samba-jazz.

No carnaval, cada um se diverte como quer

Página da revista Veja Rio sobre o show, com texto de Rachel Sterman.

No carnaval de 2013, a CEJ participou de um ensaio, mas não um ensaio de escola de samba. Foi num estúdio, se preparando para um show em homenagem aos 50 anos do álbum Getz/Gilberto. Nosso convidado especial, fazendo o papel de Stan Getz, era Mike Tucker, um saxofonista dos EUA que estava passando uns dias no Rio,  e o show aconteceu em 16 de fevereiro, logo depois do carnaval, no Vizta (Hotel Marina Palace, no Leblon).

O repertório incluiu todas as faixas do álbum, algumas com arranjos especiais, como o Só Danço Samba, misturado com Take The A Train. E o show se completava com outras músicas do repertório de Stan Getz, como Manhã de Carnaval, que ficou com jeito de carnaval baiano, numa levada tipo Olodum. Nessa, aliás, tivemos uma canja do Leo Gandelman…Depois dessa aventura carioca, Mike Tucker foi em frente na sua carreira de sucesso: já lançou quatro álbuns autorais, lidera o grupo Unisphere (ao lado do baixista Dave Zinno) e há muito tempo é o saxofonista oficial no grupo do trompetista Arturo Sandoval… Valeu, Mike.

 

As fotos da Ana Quintella

E aí chegou aquele momento em que um grupo musical tem que providenciar imagens muito boas para usar no seu material de divulgação. Em 2012, a CEJ participou de uma sessão de fotos no estúdio da Ana Quintella. Mais ou menos nessa época, ela já tinha feito, ou viria a fazer, fotos para capas de discos de muita gente boa, como Virgínia Rodrigues, o grupo Sururu na Roda, Renata Gebara, João Nabuco, Bena Lobo e Mu Chebabi…Essa foi a primeira vez que Ana Quintella fez um trabalho para um grupo de samba-jazz carioca. Mas, como ela gosta de jazz e sempre foi fã do contrabaixista Ray Brown, rolou uma sintonia fina. Vejam aí alguns resultados da sessão. A foto que ela gosta mais é esta aqui, em preto e branco.

 

Paulinho Trompete tinha um nome a zelar

Gosto de imaginar que Paulinho Trompete, quando ia preencher sua ficha na recepção de um hotel, escrevia simplesmente “Paulinho Trompete” e deixava em branco a linha reservada para “ocupação”. O cara tinha a música no nome, e não precisava explicar mais nada. Infelizmente, esse músico genial não está mais neste planeta. Mas seu som é inesquecível.

Nós, da CEJ (Companhia Estadual de Jazz), tivemos o prazer de gravar duas faixas com ele, em 2007, no CD “Via Bahia”. Uma delas foi Falsa Baiana, ou “Salsa Baiana”, um trocadilho em busca de um arranjo. Naquele dia, Paulinho Trompete chegou no estúdio trazendo o seu sobrenome numa caixa e, numa outra, um trombone de pisto, aquele trombone que não tem vara, mas tem válvulas, e parece um trompete gigante. Na nossa “Salsa Baiana”, ele usou esse trombone e ainda inventou uns naipes, gravando seu instrumento em vários canais. O solo que ele fez nessa faixa é incrível. Ouvi tantas vezes que até já decorei.

A outra faixa foi São Salvador, de Durval Ferreira. Paulinho adorou ter sido escalado para tocar nesta gravação. E aí relembrou seu início de carreira, nos anos 60, tocando em bailes no conjunto de Ed Lincoln. Durval Ferreira era seu colega no grupo e Paulinho contou que essa era a música preferida da galera da pista de dança. Enquanto os casais dançavam, lá no palco os músicos tocavam o tema milhões de vezes, e os solos improvisados rolavam sem parar…Um legítimo baile de samba jazz era assim.

Lembro também que ele estava muito animado com um projeto: gravar um CD só com composições de Durval Ferreira. Este CD, “Paulinho Trompete e Banda Sambop: Tema Feliz”, acabou sendo lançado em 2008 e, felizmente, Paulinho ficou feliz com o resultado.

E agora estou me lembrando de outro detalhe. Ele ficava muito injuriado quando escreviam o nome dele assim: Paulinho Trumpete. “Pô, não existe trumpete com U !”, ele dizia. E é verdade, isso aí é uma adaptação errada da palavra trumpet, em inglês. Paulinho, pode deixar comigo, que eu estou ligado. No que depender de mim, isso não se repetirá.

 

 

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